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segunda-feira, 6 de outubro de 2014

“Pelas pessoas que vi sem dentes, sem ter o que comer...”

Flavio Dino
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

    Amanheceu chovendo no Paranã profundo, onde moro, em Paço do Lumiar, na Ilha de São Luís. Ontem quando saía de casa pela manhã para votar, chovia. Desde que aqui cheguei, em 14 de junho de 2014, é a primeira vez que chove... Do que estou lembrando, é! E murmurei: é chuva para fertilizar a chegada de Flávio Dino ao governo.


    São gotas de chuva, ansiosamente esperadas, as palavras do governador eleito Flávio Dino em sua primeira entrevista, que eu intitulo de “Pelas pessoas que vi sem dentes, sem ter o que comer...”, pois fiquei particularmente intrigada porque todas as fotos de candidatos a cargos eletivos no Maranhão estampam um sorriso cheio de dentes... Num Estado de desdentados.

Honestamente, eu acho que ter dentes no Maranhão é só pra quem pode, infelizmente! A Síndrome deEstocolmo na política aqui nos fez um Estado de desdentados, sob os 50 anos de desmandos do Clã Sarney no Maranhão que até os dentes do nosso povo surrupiou!


Desdentado total superior y parcial inferior.   Não há o que pague um governador eleito mencionar as pessoas desdentadas em sua primeira entrevista, pois diz com todas as letras o impacto doloroso e cruel de tal realidade em sua percepção de mundo... É a certeza de um “+ Dentistas Maranhão”, urgentemente para que o povo possa sorrir como os políticos: com a boca cheia de dentes!

Flavio Dino (PC do B) durante discurso após a vitória no Maranhão

E Flávio Dino, primeiro governador comunista do Brasil (PCdoB), que é “chuva que vem rolando, vem chiando,/e o vento assoviando”, disse mais:

"Hoje viramos a página do nosso estado. Finalmente entramos no século 21. Derrotamos para sempre o coronelismo e o regime oligárquico maranhense. Vamos viver um tempo democrático e republicano"...

“Vamos fazer um pacote especial de providências para as cidades com os menores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano). Quando eu terminar o governo não vai haver nenhuma cidade do Maranhão nesse ranking vexatório”...

“Esta é uma vitória que tem o sabor da vontade do povo. É fruto de uma intensa mobilização popular”...

“Quero agradecer ao povo simples e humilde, normalmente sem voz e sem vez. Foi esse povo que se mobilizou e nos levou a essa vitória.” O governador eleito acrescentou que “viramos a página do nosso Estado. Finalmente entramos no século 21. Vamos viver ares autenticamente democráticos”...

“É uma vitória grandiosa, sobretudo pelos que não estão aqui nesta entrevista: as quebradeiras de coco, os pecadores, os agentes comunitários e muitos outros. Pelas pessoas que vi sem dentes, sem ter o que comer, pelas pessoas que moram em casas de taipa. É por essas pessoas que a nossa vitória é grandiosa. Foram essas pessoas que nos trouxeram até aqui. A voz das ruas vai continuar comandando o Estado. Serei um governador do povo.”

Sempre tive uma ligação íntima com a chuva e a considero um dos mais belos fenômenos da natureza e não dispensava um banho de chuva até há bem pouco tempo... Quando estou na rua e chove, gosto de ficar molhada de chuva. É sério!

   Gosto tanto da chuva que um dos meus romances recebeu o nome “Então, deixa chover...” (Mazza Edições, 2013).  Nele eu disse, pela boca da personagem Maria: “Trovejava, a chuva começava a cair em pingos grossos e fortes e da terra em cio subia um cheiro de barro molhado que eu inspirei. Era a água benzendo a terra e eu me sentia lavada, limpa. Lágrimas escorriam em meu rosto e se misturavam com a chuva que caía. Tive ímpetos de entrar no carro, mas para que? Sorri aliviada, parecia que minha mente se abria, se soltava e meu coração pulsava de modo sereno, quando percebi estava falando alto: ‘Então, deixa chover...’” 
Adoro ler em voz alta poesias sobre a chuva. Gosto especialmente dos seguintes versos: “A chuva é a música de um poema de Verlaine...” (“A Chuva Chove, de Cecília Meireles”); e “Vai chover chuva de vento./ Já estou sentindo um cheiro d'água,/ que vem do céu cinzento (...) Vai invernar.../ Eu hoje amanheci alegre,/ querendo cantar...” (“Chuva, de Guimarães Rosa”).
Pois num é que Clarinha disse-me um dia quando chovia: “Ai, chuva! De chuva eu gosto, né vovó?”
Logo que acordou ontem, às seis da matina: “Eh vovó vamos logo votar na Dilma e no Flávio Dino!” Disse-lhe para esperar aguarmos a horta e o jardim. Mas ela estava inquieta: “Vovó, o Flávio Dino é teu amigo?” Disse-lhe que sim. “Então que dia vou conhecer o Flávio Dino?” Retruquei: “Ora Clarinha, tu já conheces! Lembra daquela passeata na rua Grande? Ele estava lá!” E ela: “Ah, é!”
Entrou comigo para votar carregando a bandeira com a foto do nosso candidato! Na hora em que viu a foto na urna: “É o Flávio Dino, vovó. Marca logo!” E quando viu a Dilma não se conteve: “Olha a Dilma!” Disse-lhe: “Vou marcar”. E ela: “Tá booom”, com um largo sorriso... 
É vero, “quem sai aos seus não degenera!”


Aqui no Paranã profundo, em Paço do Lumiar, na Ilha de São Luís, onde eu amanheci alegre e com vontade de cantar, é 06.10.2014

   
  A Chuva Chove
Cecília Meireles


A chuva chove mansamente... como um sono
Que tranqüilize, pacifique, resserene...
A chuva chove mansamente... Que abandono!
A chuva é a música de um poema de Verlaine...
E vem-me o sonho de uma véspera solene,
Em certo paço, já sem data e já sem dono...
Véspera triste como a noite, que envenene
... Num velho paço, muito longe, em terra estranha,
Com muita névoa pelos ombros da montanha...
Paço de imensos corredores espectrais,
Onde murmurem, velhos órgãos, árias mortas,
Enquanto o vento, estrepitando pelas portas,
Revira in-fólios, cancioneiros e missais...


Guimarães Rosa e suas aventuras no sertão de Minas. CHUVA
João Guimarães Rosa

Vai chover chuva de vento.
Já estou sentindo um cheiro d’água,
que vem do céu cinzento.
As formigas lavadeiras cruzam o quintal
em filas compridas de correição.
Minhocas brotam à flor da terra.
- Eh aguão!…
A chuva vai vir da banda da serra,
porque o joão-de-barro abriu a sua porta
virada para o sul.
As sementinhas do meloso seco
devem estar lançando na poeira.
Eu não ouvi o primeiro trovão,
mas o zebu está escutando,
com a cabeça encostada no chão.

Três urubus passam no alto,
em vôo lento,
em reta longa.
Vão para as lapas dos lajedos.
“Vai fazer tua casa, Urubu!…
Tempo de chuva aí vem, Urubu!…”

Já deve estar chovendo nas cabeceiras da serra,
porque o ribeirão engrossa, cor de terra.
Vai chover chuva de vento.
Os bois vêm correndo, pasto abaixo,
procurando as árvores do capão.

Vai invernar…
Eu hoje amanheci alegre,
querendo cantar…
O vento já chegou nas casuarinas,
e o sapo saiu de debaixo da laje
para um buraco no meio do pátio
onde vai se encher uma lagoa.
- Eh aguão!…
- Olá, José, arreia meu Cabiúna,
liso do casco à testa,
preto do rabo à crina,
que eu vou sair pelo cerrado afora,
a galopar, com a chuva me correndo atrás…
Ela já vem, branquinha, cheirando a água nova,
e a serra está clarinha, neblinando…
A chuva vem rolando, vem chiando,
e o vento assoviando
- Galopa, Cabiúna, que a água vem vindo,
e as sementinhas do meloso seco estão dançando…


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